17 fevereiro 2011

Ressentimento


Frequentemente, na raiz de problemas como depressão, stress, insónias, baixa auto-imagem ou mesmo problemas psicossomáticos, encontram-se situações de ressentimento, de conflitos não resolvidos. A tendência natural das pessoas não é para resolver os conflitos que surgem. Isso faz com que esses assuntos vão ficando recalcados e se vão amontoando no nosso íntimo, ao longo dos anos. E esses “arquivos” que guardamos afectam as nossas vidas de uma forma incrível.

A raiz de amargura, ou ressentimento, que fica guardado no mais profundo do coração, destrói a própria pessoa que o guarda e, além disso, contamina também os outros. A nossa mágoa não só nos vai corroendo e escravizando, como também vai afectar as pessoas que convivem connosco. Através da nossa atitude, dos nossos comentários, do nosso “desabafo” acabamos por colocar esse peso também sobre os outros. Assim, cada um de nós, carrega não só as ofensas que recebeu, mas também aquelas que foram feitas contra os seus familiares e amigos.

Na prática, o que acontece enquanto uma pessoa não resolve esses assuntos, é que fica acorrentada a essa situação, por vezes totalmente escravizada por ela. Deixa de ter controlo sobre os seus próprios pensamentos que se vão tornando completamente autónomos, levando-a por uma viagem mental atormentadora e quase constante em volta desse assunto. Torna-se de certa forma escrava da pessoa que a ofendeu. Perde a alegria e esse sofrimento torna-se quase (ou mesmo) o centro da sua vida. E a dor é tanto mais intensa quanto mais nós amamos a(s) pessoa(s) com quem temos o relacionamento quebrado ou seriamente prejudicado.

Se queres perceber a forma como o ressentimento te está a afectar, tenta observar quanto “tempo de antena”dedicas a ofensas que recebeste (pensando nelas, falando sobre elas, etc.) e a facilidade que tens (ou não) de mandar embora esse assunto sempre que ele entra no teu pensamento. Com que intensidade é que essas lembranças te estão a controlar?

Numa situação em que somos prejudicados ou ofendidos, nós precisamos de fazer alguma coisa, de lidar com esse assunto. Em primeiro lugar, precisamos de perceber se se justifica “mexer” nisso ou não. Muitas vezes aquilo que nos magoou não é uma coisa assim tão grave. Nem sempre a nossa dor é proporcional à gravidade da ofensa. Em muitas situações, a pessoa que nos magoou não tinha intenção de o fazer e pode até nem se ter apercebido de como isso nos afectou. Na maioria das situações, na realidade, nem devemos comentar isso com ela. No entanto, é importante não ficarmos a lembrar, a pensar no assunto. Precisamos de “arrumar” a ofensa e seguir em frente, mesmo não sendo um processo fácil.

Mas nem sempre é este o caso. Então, como decidir quando devemos ou não falar com a outra pessoa? Se a ofensa nos prejudicou seriamente, se está a prejudicar a nossa relação com essa pessoa, se é um hábito destrutivo que ela está a desenvolver, é importante falarmos-lhe. Isso normalmente não é fácil e, se não for feito com cuidado e sabedoria, pode até aumentar o conflito. Deve-se pensar, antecipadamente, nos aspectos que é importante focar (não se dispersar com detalhes irrelevantes ou de menor importância) e falar deles com cuidado. É importante deixar claro que o objectivo não é acusar ou castigar o ofensor, mas restaurar o relacionamento que está quebrado. Assim que o assunto tiver sido falado e resolvido entre ambas as partes, o relacionamento deve ser completamente restaurado. Aqui, um aspecto importante é haver um compromisso de não voltar a mexer nesse assunto e de não permitir que esse conflito que já foi resolvido ainda venha de alguma forma a prejudicar o relacionamento. É um compromisso de não voltar a falar nem a pensar nessa ofensa.

E quando essa lembrança surge e se intromete persistentemente no nosso pensamento? Bem, não adianta empurrá-la ou mandá-la embora. Isso só a iria tornar cada vez mais forte. A única coisa que podes fazer é, de cada vez que ela surge, substituí-la por outra coisa que seja positiva. E da próxima vez que essa pessoa voltar a fazer algo errado, lembra-te do compromisso que assumiste: as ofensas antigas e já resolvidas não devem ser lembradas ou “atiradas à cara”.

Quando um conflito se resolve, a pessoa que foi magoada deixa de ser escrava dessa situação. Com treino e perseverança, o seu pensamento começa, pouco a pouco, a ser mais controlado por ela própria e pode voltar a sentir-se em paz.

À primeira vista tudo isto te pode parecer simples teoria, impossível de pôr em prática ou ineficaz perante a gravidade dos problemas que estás a atravessar neste momento. Essa é a visão natural quando o foco é colocado nO PROBLEMA. Uma abordagem bastante diferente é usada no aconselhamento clínico. Aqui, o foco não é simplesmente eliminar aquele problema (atrás do qual se podem esconder muitos outros), mas ajudar o aconselhado a começar um percurso diferente do que tem estado a fazer. A pessoa aprende a lidar com cada situação, passo a passo. Vai perdendo o medo de sair da sua atitude passiva ou agressiva, e muitas vezes destrutiva. Cria o hábito de reagir de forma activa e eficaz. E aprende, na prática, a identificar a origem dos problemas e a resolvê-los.
É uma forma de aprendermos a usar todas as nossas capacidades e recursos e de começarmos a agir para que a nossa vida se venha a tornar bem mais do que simplesmente suportável.