04 fevereiro 2009

Um olhar sobre o Perdão

Quando eu tinha perto de 10 anos plantei com a minha avó um pequenino pinheiro manso no jardim da nossa casa. Ele foi crescendo e desenvolvendo um aspecto majestoso. Passados trinta anos estava enorme e bastante mais alto do que a casa. Dava-nos sombra, muitos pinhões e abrigo para inúmeras aves que nele faziam os seus ninhos. Era conhecido e admirado por toda a gente das redondezas. Mas escondido estava a desenvolver-se um problema. A tijoleira do chão da casa começou a estalar e a adega encheu-se de água com as chuvas do Inverno. Percebemos que as raízes do pinheiro estavam a abrir brechas na parede abaixo do chão.

Deus é especialista em parábolas e ilustrações. E a forma de Ele nos ajudar a perceber a gravidade e os efeitos da falta de perdão, é comparando-o com uma raiz - a raiz de amargura. O meu pinheiro começou com uma raiz tão delicada que nos primeiros anos até uma criança poderia facilmente arrancá-lo mas, ao longo do tempo, tornou-se tão forte que foi necessário usar uma máquina. Da mesma forma, quando permitimos que a falta de perdão cresça e expanda as suas raízes no nosso coração, ela irá abrir brechas e afectar toda a nossa vida. Hebreus 12.15 diz que a raiz de amargura destrói a própria pessoa e contamina os outros.

Quando surge um conflito há uma quebra no relacionamento com a pessoa que nos ofendeu, com Deus e muitas vezes também com outras pessoas. Para ser restaurado é preciso fazer alguma coisa. A tendência, muitas vezes, é ignorar o problema ou “deixar p’ra lá” (porque é mais fácil ou porque não se sabe como lidar com ele). Mas isso não resolve o problema. O tempo não apaga o que aconteceu. Na prática, o que acontece enquanto não perdoas, é que ficas acorrentado a essa situação, por vezes completamente escravizado por ela. Deixas de ter controlo sobre os teus pensamentos, que parecem totalmente autónomos para te levar por uma viagem atormentadora e quase constante à volta desse assunto. Perdes a alegria e esse sofrimento torna-se quase (ou mesmo) o centro da tua vida. Se queres ter uma ideia da importância que a mágoa tem na tua vida, tenta observar quanto “tempo de antena” dedicas a ofensas que recebes (a pensares nelas, a falares sobre isso com outras pessoas, a orar sobre esse assunto,…)

Então, o que fazer? Há quem diga que devemos esquecer o mal que nos fazem. Mas… já tentaste esquecer? É verdade - não funciona. Quanto mais tentamos esquecer, mais vivo o assunto fica na nossa mente. E torna-se ainda mais difícil quando são pecados graves ou ofensas que se repetem constantemente.

No entanto, a Bíblia não fala em esquecer, mas em não lembrar. Não é algo passivo, como uma memória que se apaga por si própria, mas uma atitude activa; uma decisão consciente de “não lembrar”, de não ficar a mexer nisso. E quando o pensamento surge? A atitude não é mandá-lo embora mas passa, em parte, por substitui-lo - por louvor, oração para que Deus te ensine a ser um pacificador (que é diferente de ser uma pessoa passiva!), …

Quando pedimos perdão, este deve ser específico. Devemos referir concretamente o que fizemos sem tentar minimizar a nossa culpa nem passar a responsabilidade para outros - isso não é arrependimento. Arrependimento implica mostrar o desejo de restaurar o relacionamento (mesmo quando é muito difícil) e a disposição para mudar de atitude. A Bíblia fala até de restituição, no caso de danos materiais, por exemplo. Esta serve não só para compensar justamente a pessoa lesada mas também para, tanto quanto possível, “apagar os vestígios” do mal feito. À medida que se vão eliminando as imagens do sucedido, torna-se mais fácil o processo de cicatrização, de cura das feridas.

Quando alguém nos pede perdão, esse deve ser concedido, seja qual for a ofensa ou a dor causada. E lembra-te, o perdão inclui o compromisso de não voltar a mexer nesse assunto ou a atirar à cara quando a ofensa se repetir. Não é fácil, mas precisamos de ver que o perdão não é um sentimento ou uma emoção. É uma decisão de obedecer a Deus pela fé. É um processo activo que inclui fazer o bem àquele que nos ofendeu (Romanos 12.21). E é à medida que vamos fazendo o bem, que Deus vai mudando também os nossos sentimentos.

Podemos, no entanto, pensar que a ofensa que sofremos não é tão importante que seja necessário pensar em termos de confissão e perdão. Neste caso devemos perdoar perante Deus, em oração e entregarmos o assunto nas Suas mãos. Mas como é que podemos saber quando um assunto deve ou não ser falado directamente com o ofensor? Uma situação precisa de ser resolvida sempre que esse assunto esteja a desonrar o nome de Deus, a prejudicar seriamente o teu relacionamento com o ofensor ou a prejudicar alguém (incluindo o próprio ofensor). Nestas situações é preciso lidar com esse assunto, se necessário com a ajuda de alguém (um irmão com maturidade espiritual e conhecimento da Bíblia).

Perdão é um processo, não é algo que se faz de uma vez. E penso que nesse processo há três elementos muito importantes que precisam de ir sendo afinados em conjunto: arrependimento, confissão e perdão.
A Bíblia fala de fruto digno de arrependimento. Da mesma forma que nós olhamos para uma árvore e podemos ver o fruto que ela tem, o arrependimento também deve ser visível. Principalmente no caso de pecados graves, deve-se ver na vida do ofensor que há um sério empenho em mudar. Isto não se vê no momento da confissão mas depois, à medida que o tempo segue. E à medida que a pessoa vai mudando e aprofundando o seu relacionamento com Deus, muitas vezes vai-se também apercebendo que o seu pecado foi muito mais grave e com consequências muito mais sérias do que lhe parecera. Então, eu penso que vale a pena voltar a falar com o irmão lesado, não para contar mais pormenores do mal que fez, mas para mostrar que tem uma noção mais vívida do que se passou. Para o irmão lesado, isto vai mostrar um quebrantamento do coração do ofensor, o que deve levar a um aprofundamento da noção e do compromisso de perdão. Penso que é importante haver um trabalho juntos, de busca da vontade de Deus e de aprofundamento do seu relacionamento um com o outro.

Este comentário é consequência da minha própria experiência. Eu já tenho visto situações de pecados graves como, por exemplo, adultério, em que o arrependimento e confissão são bastante superficiais. E muitas vezes, verifica-se mais tarde que a situação continua sem qualquer alteração. Isto porque frequentemente há alguma confusão entre arrependimento e remorso. O não gostar das consequências do seu pecado e ter vontade de as eliminar, não tem nada a ver com arrependimento. Neste caso tem a ver precisamente com o oposto - com o desejo de continuar a fazer o que lhe apetece, desenvolvendo a capacidade de esconder ou, quando descoberto, de escapar das consequências. Quando o olhar do ofensor está mais voltado para o seu próprio sofrimento e o desconforto que o seu pecado lhe causou, do que para o sofrimento que ele provocou em primeiro lugar a Deus e também à pessoa ofendida, não podemos falar em arrependimento. E muitas vezes essa é naturalmente a primeira motivação da confissão. Por isso, à medida que o ofensor se vai apercebendo da imensa dor que causou no outro, deve confirmar o seu arrependimento e desejo de mudança.
Nestas situações mais graves o perdão também é um pouco passo a passo. A pessoa lesada precisa de algum tempo para “arrumar” essa dor, para voltar a desenvolver um relacionamento de confiança com o seu ofensor, para aprender a não ficar à defesa ou a atirar à cara o que se passou. E este processo é certamente muito mais fácil quando se pode ver que o arrependimento também está a ser um processo de aprofundamento e não um rápido “Perdoa-me. Eu não volto a fazer isso.”
Ao longo desse tempo é indispensável haver comunicação aberta, cada um ter a liberdade de ir dizendo o que sente ou o que ainda está a ser difícil. Só com abertura de comunicação e o trabalho do Espírito Santo nos nossos corações, se pode voltar a desenvolver um relacionamento de confiança onde esta foi completamente destruída.

Se estás a atravessar difíceis tempos de conflito, lembra-te que Deus está completamente no controlo dessa situação e que Ele tem um propósito para esse sofrimento. Ele quer e pode usar essa situação para bem. Ele ama-te mais do que podes entender e o Seu objectivo para ti não é o conforto, mas o crescimento espiritual e a santificação. O alvo não é escapar do problema, mas agradar a Deus e honrá-lO; aprender a conhecer a Sua vontade e a receber a Sua orientação para lidar com isso (perante uma situação grave de conflito, ficar simplesmente quieto - mesmo quando em oração - não é uma opção bíblica; Deus chama-nos a agir).

Um conflito não é um problema ou um acidente, mas uma oportunidade para obedecer a Deus, para O glorificar e para crescer e aprender com Ele. E assim te tornarás um instrumento mais útil nas Suas mãos.

in Mulher Criativa, Jan. Fev. 2009