14 dezembro 2009

Depressão

A depressão tem sido associada a fraqueza de personalidade, a tendências negativas de determinados temperamentos e mesmo, no meio cristão, a falta de fé. Será que é errado uma pessoa estar deprimida? Será que a depressão é um sinal de fraqueza emocional ou mesmo espiritual? Para falarmos de uma perspectiva cristã é importante, antes de julgarmos quem está a passar por esta situação, vermos qual a posição da Bíblia acerca desse problema. Muito do que se diz acerca do ponto de vista de Deus, na verdade, tem pouco ou mesmo nada a ver com o que Ele diz acerca de Si próprio.

Ao longo de toda a Bíblia nós podemos ver servos de Deus passarem por fortes emoções, e até mesmo por depressões, e isso nunca é retratado como algo de errado. Em Salmos, por exemplo, podemos encontrar das mais fortes expressões de sofrimento emocional. Em algumas situações, o sofrimento psíquico do salmista é tão intenso que chega mesmo a manifestar-se através de sofrimento físico. No entanto, há um pequeno detalhe muito importante no percurso emocional do salmista. Mesmo nos Salmos que expressam maior sofrimento, em que ele derrama completamente a dor do seu coração, no final ele volta-se para Deus; para Aquele Deus que o toma pela mão e o capacita a caminhar, apesar do sofrimento.


 A depressão tem algumas manifestações típicas, como profunda tristeza, desinteresse, sensação de vazio interior, falta de apetite, perturbações de sono, cansaço, auto-piedade, falta de motivação, incapacidade de tomar decisões, muitas vezes com a presença de ansiedade ou irritabilidade, entre outros sintomas. Muitos destes sinais são experimentados por qualquer um de nós, uma vez ou outra. Mas quando vários destes sinais persistem de modo a dificultar o normal funcionamento da pessoa, ela deve fazer um exame médico. Há várias doenças orgânicas que têm um efeito depressivo e é importante que haja um diagnóstico cuidadoso. Quando é depressão, normalmente opta-se por fazer medicação. Mas esta não deve ser o único modo de combate, porque não vai resolver o problema, apenas tirar os sintomas. Se parar a medicação, os sintomas voltam e, por isso, muitas pessoas acabam por ficar a tomar anti-depressivos para o resto da sua vida.

Para lidarmos com a depressão, precisamos de perceber a sua dinâmica, a forma como se desenvolve e manifesta. A depressão funciona um pouco como uma espiral descendente, em que a pessoa vai perdendo o controlo sobre os seus pensamentos, que se tornam cada vez mais autónomos. E à medida que os pensamentos parecem controlar a mente da pessoa, também a sua atitude vai ficando cada vez mais passiva. A pessoa deixa de funcionar, deixa de “fazer”, limitando-se a simplesmente ficar naquele vazio.


Frequentemente a pessoa deprimida desenvolve o “falar para si própria” (self talk). Ela analisa uma situação e faz um julgamento que, para ela, passa a ser “realidade”. Ao longo do tempo isto desenvolve e acumula padrões de pensamento negativos que se tornam uma barreira à comunicação. Mesmo quando lhe dizemos algo positivo, como um elogio, por exemplo, ela diz “Pois, mas…”, não permitindo que a sua visão negativa seja alterada.


Precisamos de ter a consciência de que a depressão é uma guerra emocional e espiritual. Uma das armas dessa guerra são as mentiras em que a pessoa pouco a pouco começa a acreditar. Mentiras acerca de si própria: “Não tenho valor.” “Não tenho razão para viver.” “Alguns erros que cometi são demasiado graves para serem perdoados.” Mentiras acerca de Deus: “Deus não existe.” “Deus não se importa comigo.” “Deus não ajuda.” Mentiras que focam em realidades temporais, no aqui e agora: “Não posso ser feliz se não tiver agora o que preciso.”

A depressão é cheia de paradoxos. A pessoa pode desejar os outros, desejar o seu amor, mas empenha-se em os afastar. Estar sozinho pode-se tornar aterrador e o abandono ser um medo constante. Não há certezas de nada. A pessoa deseja algo e, ao mesmo tempo, teme conseguir isso. (E se esse desejo for satisfeito e a dor e o desespero continuarem?)
Uma característica que está quase sempre presente é a falta de alvos ou objectivos. Isto acaba por levar a uma incapacidade de tomar decisões.

Um dos aspectos mais óbvios na depressão, é o medo. Um dos seus aspectos mais comuns é a ira. A ira tanto pode ser quente (explosiva), como fria (ressentimento, rejeição, culpar os outros, etc.). A ira fria leva muitas vezes à depressão. No entanto, ela esconde-se e pode ser muito difícil de detectar. A tristeza e a auto-piedade, por exemplo, podem ser formas de encobrir a ira.


Como foca muito nos erros do passado, a depressão também pode ser uma forma de auto-punição inconsciente. A pessoa pode achar que, por causa de algo terrível que fez, perdeu para sempre o direito de ser feliz. A pessoa também pode, inconscientemente, não querer mudar. No fundo a depressão tem algumas vantagens aparentes. Pode ser “confortável” porque a pessoa já a conhece. Não há nada de novo. Não apresenta riscos. Elimina a necessidade de fazer escolhas. Por outro lado, o deprimido também pode ter um grande poder na forma como domina relacionamentos, tornando-se o centro das atenções e o foco das preocupações dos outros.

Para o deprimido, a escolha, a tomada de decisões, é sempre um risco a evitar a qualquer custo. Mas não fazer nada já é uma escolha. A pessoa está a optar por não reagir. Viver significa escolher, e escolher significa correr o risco de cometer erros e aceitar o risco de ser culpado desses erros. Também a falta de esperança é uma escolha. Ter esperança é arriscado. Uma pessoa que não tem expectativas, também não pode ser decepcionada. Mas quando se tenta matar a esperança, mata-se tanto as esperanças do futuro como as alegrias do presente. A capacidade de experimentar emoção é reduzida a um estado de morbidez. A pessoa pensa que está a proteger-se mas, em vez disso, está a tornar-se um morto vivo.

Quando uma pessoa está deprimida, raramente desafia ou põe em questão os seus pensamentos. A depressão diz: “Rende-te. Desiste.” A pessoa deprimida precisa de aprender a falar à depressão, a lutar contra ela, em vez de simplesmente ouvir o que ela diz. Precisa de aprender e praticar, a ver as coisas por uma nova perspectiva. E aprender a, passo a passo, ir expulsando as mentiras que se foram alojando na sua mente. Mesmo no meio do maior sofrimento, tens uma escolha a fazer: ficares no teu canto a lamber as tuas feridas, ou começares a agir. Para iniciar este percurso é preciso esperança. Esta tem que ser a companheira constante da perseverança. Perseverar é uma capacidade que se treina e desenvolve, e que só é relevante nas dificuldades.

Podemos considerar que estas noções sejam a essência do trabalho com uma pessoa deprimida. Mas o trabalho que se faz tem que ser muito prático. Um deprimido precisa de estrutura. Na sua mente tudo se tornou como que num imenso pântano, onde tudo é vago e lodoso; onde as únicas certezas são as falsas “realidades” negativas e destrutivas que ele foi deixando alojar na sua mente. Um deprimido precisa de deixar de simplesmente “estar”, para começar a “fazer” e a ter limites, linhas de orientação, planos organizados. Para isto ele precisa de orientação e apoio. É preciso começar devagar e ir dando pequenos passos, em que a pessoa possa começar a ver uma diferença na sua vida. No aconselhamento é esta diferença, que se pode observar desde o início, que vai trazer esperança e alimentar a capacidade de perseverar.


O objectivo no trabalho com a depressão, é ajudar a pessoa a perceber e quebrar a espiral descendente em que se encontra; ajudá-la a abandonar os padrões negativos de pensamento e comportamento e a substitui-los por escolhas conscientes e positivas.


in Lar Cristão, Julho 2009




















27 agosto 2009

Vícios... em crianças?


Quando pensamos em vícios pensamos por um lado em adultos e, por outro, em situações graves como alcoolismo ou toxicodependência.
No entanto, vício é simplesmente algo que a pessoa faz e não consegue deixar de fazer. Há inclusivamente vícios que podem ser algo natural numa determinada idade ou quantidade mas, por terem passado para além da idade ou estarem a ser usados em excesso, com a agravante de a pessoa já não ter controlo sobre isso, se tornaram vícios.


Comecemos por olhar para esses hábitos que numa primeira fase não são vício. Nos bebés é normal o uso de objectos como o biberão, a chucha (ou o dedo), a fralda ou paninho fofo a que eles gostam de se agarrar, entre outras coisas. É suposto eles largarem estes hábitos à medida que vão crescendo. No entanto, em muitas crianças podemos encontrar alguns desses hábitos até bastante tarde.


Será que isso tem alguma importância ou efeito?
O que eu tenho encontrado, pela minha experiência, é que em geral as crianças que continuam a alimentar esses hábitos parecem ter uma maturação intelectual e emocional bastante mais lenta. Elas ficam como que presas numa fase anterior e ao entrarem noutras fases, como o início da aprendizagem da leitura e da escrita, há uma imaturidade geral que dificulta essa aprendizagem.
Quando olhamos para “vícios” que acontecem na área da boca, como o uso da chucha, dedo ou biberão, encontramos outros problemas associados. Uma vez que o corpo da criança ainda está em formação, esta vai ser influenciada por esse hábito. O uso da chucha ou do dedo, por exemplo, pode provocar sérias alterações na arcada dentária e no palato duro, assim como nos dentes dianteiros. Isto muitas vezes leva à necessidade do uso de aparelho nos dentes para corrigir um problema que foi provocado pela própria criança. Este hábito também provoca alterações na língua: na sua forma, postura, movimentos e mesmo no seu tamanho. Quando estou a fazer a avaliação da linguagem de uma criança, frequentemente posso perceber que ela chucha no dedo, mesmo sem perguntar. A pergunta só vai confirmar aquilo que já era visível. Com a alteração da forma, tamanho e movimentos da língua surgem também alterações na fala. Em casos mais graves acabam por ser crianças ou mesmo adolescentes, que passam vários anos entre o dentista e o terapeuta da fala.


Há, no entanto, vícios que não afectam (ou parecem não afectar) a saúde da criança. Podemos pensar, por exemplo, em objectos de que eles se vão tornando dependentes. Pode ser a tal fralda de pano, uma almofadinha, um peluche, ou outro objecto que a criança traz sempre com ela. Fisicamente parece não afectar a criança mas creio que, a nível emocional, tem bastante influência. Acabam por ser crianças com tendência para serem menos seguras; crianças que mesmo enquanto crescem continuam demasiado dependentes dos pais e que frequentemente têm dificuldade em lidar com as frustrações. A reacção delas normalmente não é tentar resolver o problema mas agarrar-se ao seu objecto protector, e “ficar” no seu cantinho a auto consolar-se. É uma forma de desenvolver um padrão de auto protecção enganadora.


Outro tipo de vícios que se pode desenvolver à medida que a criança cresce é, por exemplo, roer as unhas, canetas ou outros objectos. Estes vícios podem manter-se até à idade adulta. Durante a adolescência e juventude pode haver uma certa vergonha do vício e um esforço para o esconder dos amigos e da família. Quando não são tomadas medidas para eliminar esse hábito, ele pode acompanhar a pessoa ao longo de toda a sua vida.

Com o início da escola pode surgir o hábito de escrever nas mãos que por vezes também se torna um vício difícil de eliminar. Durante a adolescência podem surgir hábitos de auto-mutilação. Alguns adolescentes começam a cortar-se, normalmente nos braços e isso acaba por se tornar um hábito compulsivo. De forma a ocultarem as cicatrizes dos cortes, por vezes com mau aspecto ou mesmo infectadas, deixam de usar manga curta e passam a ter os braços sempre tapados, mesmo quando está calor. Esta situação muitas vezes ocorre em grupo, entre amigos, que podem cortar-se ao mesmo tempo até quando não estão juntos. Isto pode tornar-se quase um ritual. Por vezes tem situações muito graves na sua origem.

Um vício normalmente não desaparece por si só. É preciso vontade e compromisso tanto da parte da criança ou adolescente, como da família. Quando a criança é muito pequena, no caso da chucha, fralda ou biberão, por exemplo, o compromisso obviamente é só da família e o trabalho que se desenvolve é principalmente com esta.

Para lidarmos com um vício precisamos de perceber o que está por detrás dele e qual a sua dinâmica de funcionamento. O processo de mudança tem que ser planeado e ter uma estrutura. Mas mesmo crianças pequenas podem aprender a ter uma resposta diferente à frustração ou ao tédio. O vício precisa de deixar de ser visto como a única opção.

Como pais, precisamos de tomar consciência de que, quanto mais cedo nos apercebermos de que o nosso filho está a desenvolver algum tipo de dependência e procurarmos ajudá-lo, mais fácil será o processo.

29 maio 2009

Imagina… um jantar especial


IMAGINA...
Imagina que queres preparar um jantar muito especial para alguém a quem amas de todo o teu coração.
Planeias a ementa, o local, o ambiente. Fazes as compras com antecedência, escolhendo cuidadosamente cada coisa.
Em cada ingrediente, em cada objecto, as tuas mãos deixam um toque de amor.

Sorris com antecipação, ao pensares no prazer que a pessoa a quem amas vai sentir, ao ver cada detalhe especialmente planeado para ela.

No próprio dia, a comida tem um aroma delicioso, o aspecto está divino. A decoração dos pratos está simples mas tão especial! A mesa está perfeita, as flores, as velas. A música fala do teu amor.

Olhas em volta uma última vez. Tudo foi pensado e realizado até ao mais pequeno pormenor.
Olhas para o espelho. Também tu estás perfeito!

A campainha toca. Abres a porta e dás-lhe as boas vindas.
Tomas-lhe a mão e entram na sala.

A pessoa a quem tu amas pára e olha para a perfeição de tudo o que vê. Olha para ti e apercebe-se da tua beleza.

Tem duas opções: continuar a olhar para a tua beleza e aceitar o teu convite com um sorriso de gratidão...
ou focar na sua própria imperfeição.

O que tu fizeste já está pago, já está completo.

A pessoa a quem tu amas abana a cabeça e recolhe-se ao seu estado de confusão.

- Eu não mereço nada disto - diz - não posso aceitar.
Volta as costas e sai.

Deus preparou tudo especialmente para ti.
Tudo está pronto, até aos mais pequenos detalhes.
Já tudo foi pago, numa cruz, num dia em que o sol se escondeu de horror!
Deus sorri e estende a mão a convidar-te.

Qual vai ser a tua resposta?


15 maio 2009

O que é o Aconselhamento Bíblico

À medida que foram surgindo as várias correntes da psicoterapia, psiquiatria, psicanálise, etc. começou também a desenvolver-se a ideia de “doença mental”. As perturbações que não eram de origem orgânica começaram então a ser consideradas doenças mentais e responsabilidade exclusiva dos especialistas dessa área. Os pastores e outros líderes da igreja passaram a ser considerados inaptos para lidar com essas situações e mesmo impedidos de o fazer. Com o tempo, a própria igreja passou a acreditar nisso e a enviar para os especialistas os seus membros que se encontravam em dificuldades.


Quando pensamos em doenças mentais, é importante percebermos como o diagnóstico é feito. Numa doença orgânica este é feito através de exames que mostram que algo não está bem (como análises, raios x , etc). Nas chamadas doenças mentais, o diagnóstico é baseado em sintomas ou comportamentos.


Na década de 50, Jay Adams, teólogo americano, levantou a questão da suficiência bíblica para lidar com os problemas do coração humano. Em vez de mandar os membros da sua igreja para psiquiatras, começou a procurar usar os ensinamentos bíblicos de forma a poder ajudá-los. Esta atitude levantou uma grande oposição da parte dos especialistas das doenças mentais.


Hoje, o aconselhamento bíblico é praticado por imensas pessoas e ensinado em muitas universidades. Há, no entanto, diferentes abordagens. A linha de aconselhamento que foi iniciada por Jay Adams é bastante conservadora e lida com os problemas que a Bíblia refere mais ou menos directamente, não aceitando influências da psicologia. Embora tenha tido um papel importantíssimo ao longo das últimas décadas, acaba por ter lacunas, pois muitos problemas de hoje não vêm registados nas Escrituras. Há outras correntes de aconselhamento mais liberais que, embora sejam completamente baseadas na Bíblia, reconhecem a relevância de observações e estudos feitos pela psicologia, e lidam com um leque de problemas muito maior. Há ainda o aconselhamento clínico que não tem qualquer relação com Deus ou com a Sua Palavra.


A maior diferença entre as psicoterapias e o aconselhamento é a forma de agir. Neste, o aconselhado é estimulado e ajudado desde a primeira sessão, a perceber a raiz do seu problema e a começar a fazer algo em relação a isso. Não é uma atitude de introspecção, mas uma atitude activa de começar a mudar as coisas. O número de pessoas com que se trabalha também é diferente: enquanto na psicologia e na psiquiatria se apoia só uma pessoa (só uma das partes envolvidas), no aconselhamento trabalha-se de preferência com todas as pessoas envolvidas no problema (por exemplo em situações de conflitos).


O aconselhamento bíblico lida com todo o tipo de problemas que não sejam orgânicos, desde stress, anorexia, depressão, traumas, hiperactividade e baixa auto-confiança, entre outros. Lida também com muitas situações que, apesar de serem orgânicas, têm uma raiz emocional ou espiritual - como as gastrites e outras doenças consideradas psicossomáticas, por poderem ser provocadas por situações de stress intenso.


O aconselhamento normalmente usa tarefas que o aconselhado vai tendo para fazer desde o primeiro dia. Estas tarefas servem, no início, como um complemento muito importante na recolha de dados e compreensão da situação. Através das tarefas nós podemos descobrir padrões em situações, hábitos, etc. que são fundamentais para resolver problemas como enxaquecas ou ataques de pânico, por exemplo. As tarefas também são usadas no processo de mudança desses padrões. Isto ajuda a perceber que todo este trabalho não é um acontecimento (mudar num dia) mas um percurso que o aconselhado vai fazendo. Aconselhamento não é como um comprimido que se toma, mas sim uma mudança que é preciso fazer, passo a passo.


Isto aponta para uma noção que é muito importante no aconselhamento: o livre arbítrio ou liberdade de escolha. É fácil nós pensarmos que uma situação “é mesmo assim”, que não podemos fazer nada ou que só podemos agir daquela maneira. No aconselhamento somos ajudados a olhar para um problema através de outras perspectivas e a perceber que podemos “escolher” agir de outra forma.

Por exemplo, eu tenho um problema na coluna vertebral que me afecta principalmente a zona cervical e é causa de grande sofrimento. Uma das características do aconselhamento é procurar ir sempre mais fundo e perceber as causas que estão escondidas. Assim, eu apercebi-me de que o meu problema de cervical não era provocado por esforços que eu fizesse (como durante muitos anos pensei) mas por situações de stress ou preocupação intensos. Então eu posso realmente escolher a forma de lidar com essa situação. Posso ir a um quiroprático que me “arruma” os ossos no sítio certo ou tomar um anti-inflamatório que, em poucas horas, elimina os sintomas. No entanto, nenhuma destas escolhas vai resolver o problema. Para o resolver, eu preciso de lidar com a sua raiz, a sua causa. Assim, eu posso escolher: limitar-me a tirar o sintoma de cada vez que ele aparece, ou resolver o problema em profundidade.


Se pensarmos noutro tipo de problemas como, por exemplo, a depressão, encontramos a mesma realidade de escolha: ficar a tomar anti-depressivos, em muitos casos para o resto da vida, ou procurar e resolver a causa da depressão. O conselheiro não receita nem retira qualquer medicação. Quando nos surge uma pessoa que já traz um diagnóstico de psiquiatria e já está medicada, o processo de aconselhamento desenrola-se independentemente dessa medicação. E quando o aconselhado diz que se sente muito melhor e acha que já não precisa dos medicamentos, o conselheiro envia-o para o médico responsável, o qual decidirá quando e como os retirar.

Uma noção fundamental do aconselhamento é a autonomia do aconselhado. Este nunca é, de forma nenhuma, incentivado a tornar-se dependente do conselheiro (como pode ocorrer em algumas correntes da psiquiatria). Ao longo do processo de aconselhamento, o aconselhado aprende a procurar a causa escondida de um problema e a planear e dar os passos necessários para a sua resolução. E todo este processo não precisa nem deve ser muito prolongado. Pode-se ver uma grande transformação logo nas primeiras semanas de aconselhamento, que normalmente ocorre uma vez por semana.


Quando o aconselhamento termina, o aconselhado tem não só a capacidade de lidar de forma mais eficaz com os novos problemas que forem surgindo na sua vida, como desenvolve também uma atitude diferente em relação aos problemas dos outros. Em vez de se limitar a ouvir intermináveis monólogos de queixumes, passa a ter uma atitude mais activa de procurar perceber a causa do problema e o que a pessoa já fez ou pode fazer em relação a essa situação.


Algo importante a ter em conta (e de que já se devem ter apercebido por esta altura) é que o aconselhamento não pode ajudar toda a gente. Nós só podemos ajudar as pessoas que estão dispostas a trabalhar nesse sentido. Muitas pessoas só querem ter alguém que as oiça e não propriamente resolver o problema. A essas pessoas não é possível ajudar.


E nas situações em que a pessoa que está disposta a fazer algo não é aquele que tem o problema mais grave? Muitas vezes a pessoa nega o seu problema e recusa-se a aceitar qualquer tipo de ajuda. Nestes casos pode-se começar a fazer aconselhamento com outro(s) membro(s) da família. E à medida que a vida dessa pessoa vai mudando, normalmente também se conseguem mudanças na sua situação e nos que estão relacionados com ela (por vezes mudanças radicais).


Aconselhamento não é, como o nome pode sugerir, dar conselhos, mas sim orientar o aconselhado na resolução dos seus problemas e acompanhá-lo durante esse processo. Não é um relacionamento tipo médico – paciente ou professor – aluna. É mais um “caminhar ao lado”, orientando e encorajando, até o aconselhado conseguir seguir o seu caminho por si só.

in, revista Lar Cristão, Jan 2009

04 fevereiro 2009

Um olhar sobre o Perdão

Quando eu tinha perto de 10 anos plantei com a minha avó um pequenino pinheiro manso no jardim da nossa casa. Ele foi crescendo e desenvolvendo um aspecto majestoso. Passados trinta anos estava enorme e bastante mais alto do que a casa. Dava-nos sombra, muitos pinhões e abrigo para inúmeras aves que nele faziam os seus ninhos. Era conhecido e admirado por toda a gente das redondezas. Mas escondido estava a desenvolver-se um problema. A tijoleira do chão da casa começou a estalar e a adega encheu-se de água com as chuvas do Inverno. Percebemos que as raízes do pinheiro estavam a abrir brechas na parede abaixo do chão.

Deus é especialista em parábolas e ilustrações. E a forma de Ele nos ajudar a perceber a gravidade e os efeitos da falta de perdão, é comparando-o com uma raiz - a raiz de amargura. O meu pinheiro começou com uma raiz tão delicada que nos primeiros anos até uma criança poderia facilmente arrancá-lo mas, ao longo do tempo, tornou-se tão forte que foi necessário usar uma máquina. Da mesma forma, quando permitimos que a falta de perdão cresça e expanda as suas raízes no nosso coração, ela irá abrir brechas e afectar toda a nossa vida. Hebreus 12.15 diz que a raiz de amargura destrói a própria pessoa e contamina os outros.

Quando surge um conflito há uma quebra no relacionamento com a pessoa que nos ofendeu, com Deus e muitas vezes também com outras pessoas. Para ser restaurado é preciso fazer alguma coisa. A tendência, muitas vezes, é ignorar o problema ou “deixar p’ra lá” (porque é mais fácil ou porque não se sabe como lidar com ele). Mas isso não resolve o problema. O tempo não apaga o que aconteceu. Na prática, o que acontece enquanto não perdoas, é que ficas acorrentado a essa situação, por vezes completamente escravizado por ela. Deixas de ter controlo sobre os teus pensamentos, que parecem totalmente autónomos para te levar por uma viagem atormentadora e quase constante à volta desse assunto. Perdes a alegria e esse sofrimento torna-se quase (ou mesmo) o centro da tua vida. Se queres ter uma ideia da importância que a mágoa tem na tua vida, tenta observar quanto “tempo de antena” dedicas a ofensas que recebes (a pensares nelas, a falares sobre isso com outras pessoas, a orar sobre esse assunto,…)

Então, o que fazer? Há quem diga que devemos esquecer o mal que nos fazem. Mas… já tentaste esquecer? É verdade - não funciona. Quanto mais tentamos esquecer, mais vivo o assunto fica na nossa mente. E torna-se ainda mais difícil quando são pecados graves ou ofensas que se repetem constantemente.

No entanto, a Bíblia não fala em esquecer, mas em não lembrar. Não é algo passivo, como uma memória que se apaga por si própria, mas uma atitude activa; uma decisão consciente de “não lembrar”, de não ficar a mexer nisso. E quando o pensamento surge? A atitude não é mandá-lo embora mas passa, em parte, por substitui-lo - por louvor, oração para que Deus te ensine a ser um pacificador (que é diferente de ser uma pessoa passiva!), …

Quando pedimos perdão, este deve ser específico. Devemos referir concretamente o que fizemos sem tentar minimizar a nossa culpa nem passar a responsabilidade para outros - isso não é arrependimento. Arrependimento implica mostrar o desejo de restaurar o relacionamento (mesmo quando é muito difícil) e a disposição para mudar de atitude. A Bíblia fala até de restituição, no caso de danos materiais, por exemplo. Esta serve não só para compensar justamente a pessoa lesada mas também para, tanto quanto possível, “apagar os vestígios” do mal feito. À medida que se vão eliminando as imagens do sucedido, torna-se mais fácil o processo de cicatrização, de cura das feridas.

Quando alguém nos pede perdão, esse deve ser concedido, seja qual for a ofensa ou a dor causada. E lembra-te, o perdão inclui o compromisso de não voltar a mexer nesse assunto ou a atirar à cara quando a ofensa se repetir. Não é fácil, mas precisamos de ver que o perdão não é um sentimento ou uma emoção. É uma decisão de obedecer a Deus pela fé. É um processo activo que inclui fazer o bem àquele que nos ofendeu (Romanos 12.21). E é à medida que vamos fazendo o bem, que Deus vai mudando também os nossos sentimentos.

Podemos, no entanto, pensar que a ofensa que sofremos não é tão importante que seja necessário pensar em termos de confissão e perdão. Neste caso devemos perdoar perante Deus, em oração e entregarmos o assunto nas Suas mãos. Mas como é que podemos saber quando um assunto deve ou não ser falado directamente com o ofensor? Uma situação precisa de ser resolvida sempre que esse assunto esteja a desonrar o nome de Deus, a prejudicar seriamente o teu relacionamento com o ofensor ou a prejudicar alguém (incluindo o próprio ofensor). Nestas situações é preciso lidar com esse assunto, se necessário com a ajuda de alguém (um irmão com maturidade espiritual e conhecimento da Bíblia).

Perdão é um processo, não é algo que se faz de uma vez. E penso que nesse processo há três elementos muito importantes que precisam de ir sendo afinados em conjunto: arrependimento, confissão e perdão.
A Bíblia fala de fruto digno de arrependimento. Da mesma forma que nós olhamos para uma árvore e podemos ver o fruto que ela tem, o arrependimento também deve ser visível. Principalmente no caso de pecados graves, deve-se ver na vida do ofensor que há um sério empenho em mudar. Isto não se vê no momento da confissão mas depois, à medida que o tempo segue. E à medida que a pessoa vai mudando e aprofundando o seu relacionamento com Deus, muitas vezes vai-se também apercebendo que o seu pecado foi muito mais grave e com consequências muito mais sérias do que lhe parecera. Então, eu penso que vale a pena voltar a falar com o irmão lesado, não para contar mais pormenores do mal que fez, mas para mostrar que tem uma noção mais vívida do que se passou. Para o irmão lesado, isto vai mostrar um quebrantamento do coração do ofensor, o que deve levar a um aprofundamento da noção e do compromisso de perdão. Penso que é importante haver um trabalho juntos, de busca da vontade de Deus e de aprofundamento do seu relacionamento um com o outro.

Este comentário é consequência da minha própria experiência. Eu já tenho visto situações de pecados graves como, por exemplo, adultério, em que o arrependimento e confissão são bastante superficiais. E muitas vezes, verifica-se mais tarde que a situação continua sem qualquer alteração. Isto porque frequentemente há alguma confusão entre arrependimento e remorso. O não gostar das consequências do seu pecado e ter vontade de as eliminar, não tem nada a ver com arrependimento. Neste caso tem a ver precisamente com o oposto - com o desejo de continuar a fazer o que lhe apetece, desenvolvendo a capacidade de esconder ou, quando descoberto, de escapar das consequências. Quando o olhar do ofensor está mais voltado para o seu próprio sofrimento e o desconforto que o seu pecado lhe causou, do que para o sofrimento que ele provocou em primeiro lugar a Deus e também à pessoa ofendida, não podemos falar em arrependimento. E muitas vezes essa é naturalmente a primeira motivação da confissão. Por isso, à medida que o ofensor se vai apercebendo da imensa dor que causou no outro, deve confirmar o seu arrependimento e desejo de mudança.
Nestas situações mais graves o perdão também é um pouco passo a passo. A pessoa lesada precisa de algum tempo para “arrumar” essa dor, para voltar a desenvolver um relacionamento de confiança com o seu ofensor, para aprender a não ficar à defesa ou a atirar à cara o que se passou. E este processo é certamente muito mais fácil quando se pode ver que o arrependimento também está a ser um processo de aprofundamento e não um rápido “Perdoa-me. Eu não volto a fazer isso.”
Ao longo desse tempo é indispensável haver comunicação aberta, cada um ter a liberdade de ir dizendo o que sente ou o que ainda está a ser difícil. Só com abertura de comunicação e o trabalho do Espírito Santo nos nossos corações, se pode voltar a desenvolver um relacionamento de confiança onde esta foi completamente destruída.

Se estás a atravessar difíceis tempos de conflito, lembra-te que Deus está completamente no controlo dessa situação e que Ele tem um propósito para esse sofrimento. Ele quer e pode usar essa situação para bem. Ele ama-te mais do que podes entender e o Seu objectivo para ti não é o conforto, mas o crescimento espiritual e a santificação. O alvo não é escapar do problema, mas agradar a Deus e honrá-lO; aprender a conhecer a Sua vontade e a receber a Sua orientação para lidar com isso (perante uma situação grave de conflito, ficar simplesmente quieto - mesmo quando em oração - não é uma opção bíblica; Deus chama-nos a agir).

Um conflito não é um problema ou um acidente, mas uma oportunidade para obedecer a Deus, para O glorificar e para crescer e aprender com Ele. E assim te tornarás um instrumento mais útil nas Suas mãos.

in Mulher Criativa, Jan. Fev. 2009

16 janeiro 2009

Já perdoaste a Deus?

Quando ouvimos uma afirmação ou uma pergunta que nos incomoda tanto que a consideramos absurda, vale a pena olhar para ela um pouco mais. Pela minha experiência, quando uma pessoa responde rapidamente e sem qualquer hesitação a uma pergunta incómoda, é porque está a esconder alguma coisa, normalmente de si própria.

Mesmo em relação a nós, crentes, a nossa vida espiritual não é aquilo que pensamos. Jeremias 17.9 diz que o nosso coração é mais enganoso do que qualquer outra coisa. Nós somos especialistas em nos iludirmos acerca de nós próprios, em nos justificarmos não só aos olhos dos outros, mas principalmente aos nossos próprios olhos.

Se olharmos para o Jardim usando a mesma medida com que nos avaliamos, a atitude de Eva não parecia ter nada de errado. Eles só queriam o que parecia bom e até justo. Quem parecia errado era Deus, querendo o conhecimento só para Si, não querendo que fôssemos iguais a Ele. “Que comentário mais chocante!” podemos pensar. Mas… vamos analisar mais devagar.

Quando nos queixamos, a mensagem que estamos a transmitir é que Deus não nos dá o que precisamos. Se Ele é omnipotente e omnisciente, quando não nos dá o que precisamos, é porque não quer. Então, quando nos irritamos com as nossas circunstâncias, no fundo estamos a irar-nos contra Deus. Muitos crentes vivem num constante descontentamento, reclamando de tudo. Isso mostra como estamos amargurados e ressentidos contra Deus.

Muitas vezes optamos por uma atitude mais “espiritual”, uma atitude sofredora e resignada. Mas esta também desonra Deus. Na verdade, não fazemos nada contra a nossa situação porque não podemos - Ele é mais poderoso do que nós. Assim, guardamos a mágoa bem no fundo do nosso coração. Não é muito diferente do crente que diz que “já está calejado”. Ou seja, “Deus tem permitido que me façam tanto mal, que eu já opto por aguentar e pronto”. Mais uma vez, parece que Deus está a agir de forma errada.

E quantas vezes Lhe dizemos que já não aguentamos mais! Quantas vezes Lhe perguntamos “porquê”, como se Ele tivesse que nos dar explicações! Lembras-te de Jó e da resposta de Deus para ele? É verdade! Deus é o Criador, o Senhor de todo o universo. E nós somos apenas as Suas criaturas.

Como filhos, não nos atrevemos a pensar em perdoar a Deus (isso seria heresia) mas, na prática, a nossa atitude é de que Ele está em falta para connosco. Bem no fundo do nosso coração, estamos a acusar Deus do nosso sofrimento. E torna-se ainda mais difícil quando passamos por grandes provações durante muito tempo.

Precisamos de lembrar que pecado não é só aquilo que fazemos conscientemente, mas também atitudes inconscientes. O nosso coração é enganoso e, por isso, precisamos de o examinar constantemente à luz da Palavra ( Sl 139.23-24). Precisamos de ver onde nos sentimos magoados e de perceber que essa mágoa é, em primeiro lugar, contra Deus (que permitiu aquelas circunstâncias).

Quando ouvimos algum comentário de algo que achamos que não somos, não descartemos imediatamente esse assunto. Devemos procurar perceber o que levou essa pessoa a ver isso em nós. Precisamos de nos ir avaliando ao longo de toda a nossa vida, em comparação com o que a Palavra diz. E se pedirmos isso a Deus com sinceridade, Ele vai-nos mostrando o que quer que mudemos, pouco a pouco, uma coisa de cada vez.

Precisamos de nos reconciliar com Deus (II Co 5.20). Quando percebemos que estamos magoados com Deus, a única atitude que podemos ter é prostrarmo-nos perante Ele. Não é perdoar-Lhe, mas reconhecermos que temos esse pecado e pedirmos-Lhe perdão pela nossa dureza. E então, o que é que Ele faz? Incrível! Tal como o pai do filho pródigo, Ele vem a correr ao nosso encontro, de braços abertos.

Deus é um Pai amoroso e justo que não procura o nosso conforto, mas o nosso bem e o nosso crescimento (que normalmente é o oposto de conforto). Isto leva tempo. Podemos começar por tentar desenvolver a capacidade de ver Deus nas nossas circunstâncias, sejam elas quais forem; de ver as nossas circunstâncias à luz do quadro global, da eternidade, e não apenas da nossa realidade pessoal.

Ao longo do tempo, Ele vai-nos ensinando a perceber que circunstâncias difíceis ou mesmo dramáticas, não são algo negativo. Antes, são a oportunidade para treinarmos a confiar em Deus, para O vermos agir nessa situação e para crescermos. Fé, é teres a certeza que Ele te ama (mesmo quando não parece!), de que está no controlo, de que sabe muito bem o que faz e, muito especialmente, de que Ele é bom (Salmo 73).

Deus chama-nos mordomos e não senhores. É Ele quem decide os “ingredientes” que dá a cada um de nós: dons, capacidades, circunstâncias, … Aquilo que surge na tua vida é exactamente aquilo que Deus escolheu colocar no teu caminho, nesse momento. Acreditas nisso? O alvo dEle não é simplesmente que aceitemos essas circunstâncias, mas sim que lidemos com elas à Sua maneira. Eu sei! Por vezes é tão difícil sabermos como devemos agir! Mas a resposta está em Provérbios 2. Nós precisamos de buscar a sabedoria do Senhor. E essa procura tem que ser intensa e ao longo de toda a nossa vida. Os caçadores de tesouros investem tudo o que têm e anos de vida à procura de algo valioso. É assim que Deus quer que busquemos a Sua sabedoria. E então, como qualquer mestre em relação a um aluno aplicado, Deus vai-nos dando “prémios” à medida que vamos desenvolvendo essa sabedoria. Esses prémios não serão o sossego e o conforto - isso seria uma despromoção - mas um “cargo mais elevado” - situações mais difíceis para nós continuarmos a desenvolver o nosso crescimento, passo a passo ( Rm 5.3-5).

Com cada nova situação, ou com cada agravamento da “velha” situação, o primeiro impacto leva-nos naturalmente a ficarmos magoados. Então precisamos de orar “sonda-me…” e de nos analisarmos com cuidado, talvez com a ajuda de um irmão ou irmã. “Será que no fundo do meu coração estarei a sentir que preciso de perdoar a Deus?” Isto é uma barreira real no nosso relacionamento com Ele, e só depois de a reconhecermos, Ele a removerá e nos restaurará.
In Lar Cristão, Ago a Out 2008

Não desperdices o teu sofrimento!

Há algum tempo li um artigo de David Powlison que se intitulava “Não desperdices o teu cancro!” Nós associamos a palavra desperdiçar a algo que é valioso, que é útil, que vale a pena ter e guardar. Mas em relação ao que é terrível? Como é que é possível desperdiçarmos o nosso sofrimento?

Perante a dor, o que Deus te pede não é resignação nem aceitação, mas fé - a certeza de que Ele é Soberano sobre tudo o que acontece (mesmo sobre a tua dor), de que Ele sabe o que é melhor para ti e de que Ele te ama mais do que alguma vez poderás imaginar.
Resignação ou aceitação passiva não é bíblico porque:
- é falta de fé e “sem fé é impossível agradar a Deus”.
De que tamanho é o teu Deus? A Bíblia diz que Deus é o Senhor do
Universo, mas na prática, no nosso viver do dia a dia, o nosso Deus às vezes
pode ser bem pequenino… E a maior consequência disso não é a perda de
bênçãos - é que na verdade perdemos a oportunidade de O conhecermos.
- porque é auto protecção - o mais fácil é não fazer nada.
Durante bastante tempo pensei que ser um pacificador é não fazer nada; ficar
quieto; aceitar. Mas essa forma de pensar não tem qualquer base bíblica.
Deus sempre nos chama a agir, a ter uma atitude activa, a obedecer aos
Seus ensinamentos.
- porque é covardia, falta de coragem para seguir o caminho que Deus mostra.
mas Ele “não nos deu um espírito de temor mas de fortaleza”
- porque é auto compaixão, pretexto para o queixume.

É importante lembrarmos que o nosso sofrimento pertence a Deus, que é um instrumento do Seu propósito em nós e nos outros, e não procurarmos “usufruir” da nossa dor (por exemplo para obtermos a atenção e piedade dos outros, para justificarmos as nossas próprias atitudes erradas, para nos livrarmos de determinados deveres, etc.)

Então, perante o sofrimento, qual é a atitude que Deus quer que tenhamos? Que confiemos na Sua soberania e direcção. Que busquemos um relacionamento mais profundo com Ele e aprendamos a conhecê-lO melhor. Que sejamos fiéis mesmo quando não entendemos. Que desviemos o olhar do nosso eu para Ele, de nós próprios para os outros, porque “fomos confortados, para também confortarmos os outros”. À nossa volta há pessoas que sofrem. Quando lhes levamos o conforto e a esperança de Deus a nossa dor fica mais pequena, passa a ser vista como uma oportunidade de crescimento, de testemunho, de trazer glória a Deus.

Se tu “permitires”, Ele irá tornar a tua dor em lucro. E Ele já fez isso. Ele tornou o maior dos horrores (afinal os Seus seguidores foram abandonados perante a vergonha de uma cruz), no maior dos bens (juntos com Ele, inseparáveis, para sempre).
Deus pode tornar a tua dor em lucro!



Perante um problema tens sempre duas opções: entregares-te à auto piedade e ao ressentimento ou aceitares caminhar com Deus. O autor de Hebreus, em 11.39, diz-nos que os grandes heróis da fé não viram a concretização da fé enquanto ainda estavam vivos. É isso que Deus te desafia a fazer: caminhares no sofrimento pela fá, sem esperares ver o livramento nesta vida. À luz da eternidade, é totalmente irrelevante que o nosso problema actual seja removido ou não.

O objectivo de Deus nem sempre é tirar a nossa dor. Ele diz que a oração de um justo tem poder. Mas o objectivo da oração não deve ser pedir bênçãos e tentar ter uma vida menos difícil. A oração é, acima de tudo, o desenvolver de um relacionamento com Ele. O mais importante não é agradecer e pedir, mas procurar conhecê-lO, procurar discernir os Seus propósitos. Eu sempre fico maravilhada quando penso que Ele, o Grande Eu Sou, quer passar tempo connosco. Ele quer dar-Se a conhecer a nós. E mais… Ele quer mostrar-nos os Seus propósitos e convidar-nos a nos juntarmos a ele no Seu trabalho. Que honra! Então, a pergunta certa nunca será “Porquê?” e muito menos “Porquê eu?”, mas sim “O que é que Tu estás a fazer? Qual é o Teu plano? Onde queres que eu me junte a Ti?”

Uma das promessas que Jesus nos faz, para esta vida, é que teremos aflições. Mas, com as aflições, Ele nos dá a Sua presença, a Sua orientação. No meio do meu sofrimento, muitas vezes eu tenho sentido vontade que aquele problema específico acabe. Mas, olhando para trás, eu não seria capaz de abrir mão de nenhuma das minhas dores. Porque foi nos momentos mais difíceis, quando estava verdadeiramente a passar pelo vale da sombra da morte, que eu mais experimentei a presença e conforto do meu Senhor e mais cresci no conhecimento dEle e na fé. Porque posso olhar para trás e ver que naqueles momentos Ele foi fiel. Ele esteve lá ajudando-me e ensinando-me. Gosto muito especialmente das promessas que ele faz em I Coríntios 10.13: o sofrimento que Ele permite na minha vida nunca será maior do que a minha capacidade para o suportar, e mais… com o sofrimento, Ele dá também o escape, a força, o discernimento, a graça. A única maneira de verdadeiramente conhecermos a graça de Deus é na dor. E essa graça é a única maneira de atravessarmos as nossas mais profundas dores. O nosso sofrimento, na verdade, não é uma tragédia, mas uma oportunidade para melhor conhecermos a Deus e para aprendermos a lidar com esse tipo de situações. E provavelmente Deus irá usar esse nosso conhecimento para nos levar a ajudar outros que estejam a sofrer.
De qualquer forma, e sejam quais forem as circunstâncias, Deus espera sempre que tenhamos a atitude correcta. Porque, na verdade, não obedecer é não crer. É isso mesmo: se eu não obedeço é porque não creio que a Sua vontade seja a melhor opção. Mas a vontade dEle é muito mais do que isso: é a única opção que conduz à vida. Os outros caminhos só nos levam a maior sofrimento e destruição.


A um sofredor o que é que eu posso levar? Simpatia, compreensão, amor? Certamente! Mas muito mais do que isso. É preciso levar-lhe o poder transformador da Palavra. É esse o desafio do Aconselhamento Bíblico: pegar numa pessoa destroçada ou mesmo em alguém que tem um rótulo, e guiá-la ao longo da transformação que Deus quer operar na vida dela. Não é estimular uma atitude passiva e sofredora mas ajudá-la, passo a passo, a seguir a orientação de Deus para esse problema específico. Ajudar a pessoa a procurar o tipo de libertação que Deus quer operar na sua vida. E ensiná-la a atrever-se a brilhar com a Sua luz.

Deus usa o sofrimento para nos moldar e aperfeiçoar, para nos tornar instrumentos úteis para o Reino. É através do sofrimento que eu aprendo a depender dele e não de mim próprio. A minha âncora, o que me mantém firme, não é a expectativa de que os problemas vão embora, mas o Seu amor imutável do qual ninguém me poderá separar.
Precisas de avaliar o teu sofrimento à luz da realidade do Reino, que é algo imenso, do qual tu, se és filho de Deus, fazes parte. Há umas Bodas que estão a ser preparadas. E nós não somos simplesmente convidados - somos a própria Noiva.

Viver livres de sofrimento? Talvez fosse interessante. Mas há algo muito maior para nós: vivermos cada momento para a glória de Deus e desfrutarmos dEle para sempre.
In Lar Cristão, Jul a Set 2007

Será que as pessoas têm falta de auto-estima?

As actuais correntes de pensamento consideram que é fundamental ter uma boa auto-estima para se ser bem-sucedido, seja em que área for. Em relação às crianças, muitas pessoas defendem que o elogio (mesmo quando não apropriado) é indispensável para que elas se sintam motivadas. Parece que sem auto-estima não é possível sermos pessoas realizadas.
Mas, então, como é que eu posso aumentar a minha? Os meios de comunicação são bastante elucidativos. Se eu usar aquele produto e conseguir que a minha cintura fique elegante, o meu cabelo com fantásticos caracóis, a minha pele… se eu sair de um carro espectacular, se tiver o aspecto de uma estrela de cinema ou de um executivo cem por cento seguro de si próprio, se conseguir subir na carreira seja de que forma for…
Mas, ao olharmos para a realidade, é fácil percebermos que o nosso corpo vai mostrando os anos que já tem, que os nossos bens materiais muitas vezes não são assim tão abundantes como parece ser necessário, que a nossa carreira não está a evoluir como gostaríamos, que não estamos a conseguir lidar com muitas situações de forma eficaz ou com resultados positivos. O natural então é começarmos a ficar deprimidos e concluirmos: “Tenho baixa auto-estima”.
Se esta realmente depende da imagem, do status, das circunstâncias, é algo muito frágil e talvez acabemos por pensar que não há qualquer razão para nos sentirmos bem connosco próprios.
Este modelo de pensamento é anti-esperança. Para as pessoas que têm problemas, que não são bonitas, que têm tido uma vida difícil, qual é o prognóstico? Se elas não têm o essencial, estão à partida condenadas ao fracasso. E o que dizer de toda uma geração (como a minha, por exemplo) cujos pais não sabiam nada acerca da importância da auto-estima? O que dizer das pessoas que não foram sistematicamente elogiadas e incentivadas para que se pudessem tornar seres humanos felizes e equilibrados? A que é que elas podem aspirar?
Segundo esta forma de pensar, apenas a levarem uma vida amorfa e medíocre, enquanto admiram e sonham com os modelos divulgados pela comunicação social, aqueles que têm (ou parecem ter) tudo o que é necessário para uma elevada auto-estima.
No entanto, não sei se é assim tão alta a quantidade de pessoas que não gosta de si própria. Quase toda a gente gosta de si o suficiente para se alimentar, para cuidar das suas “feridas”, sejam elas quais forem. Desejar ser diferente ou ter algo diferente é outra coisa; não é desgostar de si. Aliás, assim, o que está a mostrar é que gosta de si, que se interessa por si o suficiente para desejar algo que lhe parece melhor.
Cada pessoa que de alguma forma busca o seu próprio bem mostra que se estima o suficiente para se empenhar nessa busca. O que muitas pessoas têm é um conceito de si próprio muito baixo e em muitos casos incorrecto. Isto acontece quando os valores estão invertidos, quando somos levados a colocar a nossa felicidade, o nosso bem-estar, em conceitos frágeis e ocos. Inevitavelmente, isto vai afectar toda a nossa vida, desde os relacionamentos, que se tornam cada vez mais tensos, difíceis ou então inexistentes (mesmo entre pessoas que vivem na mesma casa), até à nossa própria alegria. Continua a aumentar o número de pessoas que usam anti-depressivos ou que procuram terapias, de todos os géneros, que os possam ajudar a encontrar a paz.
Mas uma paz sólida, que se mantenha, independentemente das circunstâncias, não pode ser baseada em valores circunstanciais. Se a minha paz depender dos elogios que recebo, do meu bom aspecto, da maneira como sou eficiente, então essa paz não tem qualquer utilidade. Porque no dia em que eu tiver problemas graves ela vai desaparecer e eu ficarei pior do que se não estivesse a contar com ela.
Para encontrarmos o sentido da vida, para termos algo que nos ajude mesmo nos momentos mais difíceis, precisamos de ir muito mais fundo do que auto-estima. Precisamos de nos conhecer profundamente e de descobrir qual é o nosso propósito de vida… para que é que fomos criados. E quem nos pode guiar nesse processo é Aquele que está na origem da nossa própria vida.
Uma das abordagens usadas em Counselling é a de orientação bíblica. Tal como as outras abordagens, esta segue um percurso na busca de orientação e sabedoria. Crê que a Bíblia é a Palavra de Deus, inspirada por Ele e capaz de nos ajudar a resolver mesmo problemas característicos da época em que vivemos, como depressão, hiperactividade, stress ou falta de tempo.
É uma forma de terapia que ajuda o cliente a conseguir operar mudanças na sua vida logo a partir da primeira sessão de Counselling. Não é uma religião nem segue a filosofia de nenhuma igreja. É descobrir o que o texto bíblico ensina acerca da forma de lidar com cada tipo de problema e pôr em prática, passo a passo, enquanto somos motivados não pelo nosso visual, mas pelas mudanças que começamos a ver na nossa vida.
In Medicina & Saúde, Março 2007