27 agosto 2009

Vícios... em crianças?


Quando pensamos em vícios pensamos por um lado em adultos e, por outro, em situações graves como alcoolismo ou toxicodependência.
No entanto, vício é simplesmente algo que a pessoa faz e não consegue deixar de fazer. Há inclusivamente vícios que podem ser algo natural numa determinada idade ou quantidade mas, por terem passado para além da idade ou estarem a ser usados em excesso, com a agravante de a pessoa já não ter controlo sobre isso, se tornaram vícios.


Comecemos por olhar para esses hábitos que numa primeira fase não são vício. Nos bebés é normal o uso de objectos como o biberão, a chucha (ou o dedo), a fralda ou paninho fofo a que eles gostam de se agarrar, entre outras coisas. É suposto eles largarem estes hábitos à medida que vão crescendo. No entanto, em muitas crianças podemos encontrar alguns desses hábitos até bastante tarde.


Será que isso tem alguma importância ou efeito?
O que eu tenho encontrado, pela minha experiência, é que em geral as crianças que continuam a alimentar esses hábitos parecem ter uma maturação intelectual e emocional bastante mais lenta. Elas ficam como que presas numa fase anterior e ao entrarem noutras fases, como o início da aprendizagem da leitura e da escrita, há uma imaturidade geral que dificulta essa aprendizagem.
Quando olhamos para “vícios” que acontecem na área da boca, como o uso da chucha, dedo ou biberão, encontramos outros problemas associados. Uma vez que o corpo da criança ainda está em formação, esta vai ser influenciada por esse hábito. O uso da chucha ou do dedo, por exemplo, pode provocar sérias alterações na arcada dentária e no palato duro, assim como nos dentes dianteiros. Isto muitas vezes leva à necessidade do uso de aparelho nos dentes para corrigir um problema que foi provocado pela própria criança. Este hábito também provoca alterações na língua: na sua forma, postura, movimentos e mesmo no seu tamanho. Quando estou a fazer a avaliação da linguagem de uma criança, frequentemente posso perceber que ela chucha no dedo, mesmo sem perguntar. A pergunta só vai confirmar aquilo que já era visível. Com a alteração da forma, tamanho e movimentos da língua surgem também alterações na fala. Em casos mais graves acabam por ser crianças ou mesmo adolescentes, que passam vários anos entre o dentista e o terapeuta da fala.


Há, no entanto, vícios que não afectam (ou parecem não afectar) a saúde da criança. Podemos pensar, por exemplo, em objectos de que eles se vão tornando dependentes. Pode ser a tal fralda de pano, uma almofadinha, um peluche, ou outro objecto que a criança traz sempre com ela. Fisicamente parece não afectar a criança mas creio que, a nível emocional, tem bastante influência. Acabam por ser crianças com tendência para serem menos seguras; crianças que mesmo enquanto crescem continuam demasiado dependentes dos pais e que frequentemente têm dificuldade em lidar com as frustrações. A reacção delas normalmente não é tentar resolver o problema mas agarrar-se ao seu objecto protector, e “ficar” no seu cantinho a auto consolar-se. É uma forma de desenvolver um padrão de auto protecção enganadora.


Outro tipo de vícios que se pode desenvolver à medida que a criança cresce é, por exemplo, roer as unhas, canetas ou outros objectos. Estes vícios podem manter-se até à idade adulta. Durante a adolescência e juventude pode haver uma certa vergonha do vício e um esforço para o esconder dos amigos e da família. Quando não são tomadas medidas para eliminar esse hábito, ele pode acompanhar a pessoa ao longo de toda a sua vida.

Com o início da escola pode surgir o hábito de escrever nas mãos que por vezes também se torna um vício difícil de eliminar. Durante a adolescência podem surgir hábitos de auto-mutilação. Alguns adolescentes começam a cortar-se, normalmente nos braços e isso acaba por se tornar um hábito compulsivo. De forma a ocultarem as cicatrizes dos cortes, por vezes com mau aspecto ou mesmo infectadas, deixam de usar manga curta e passam a ter os braços sempre tapados, mesmo quando está calor. Esta situação muitas vezes ocorre em grupo, entre amigos, que podem cortar-se ao mesmo tempo até quando não estão juntos. Isto pode tornar-se quase um ritual. Por vezes tem situações muito graves na sua origem.

Um vício normalmente não desaparece por si só. É preciso vontade e compromisso tanto da parte da criança ou adolescente, como da família. Quando a criança é muito pequena, no caso da chucha, fralda ou biberão, por exemplo, o compromisso obviamente é só da família e o trabalho que se desenvolve é principalmente com esta.

Para lidarmos com um vício precisamos de perceber o que está por detrás dele e qual a sua dinâmica de funcionamento. O processo de mudança tem que ser planeado e ter uma estrutura. Mas mesmo crianças pequenas podem aprender a ter uma resposta diferente à frustração ou ao tédio. O vício precisa de deixar de ser visto como a única opção.

Como pais, precisamos de tomar consciência de que, quanto mais cedo nos apercebermos de que o nosso filho está a desenvolver algum tipo de dependência e procurarmos ajudá-lo, mais fácil será o processo.