15 maio 2009

O que é o Aconselhamento Bíblico

À medida que foram surgindo as várias correntes da psicoterapia, psiquiatria, psicanálise, etc. começou também a desenvolver-se a ideia de “doença mental”. As perturbações que não eram de origem orgânica começaram então a ser consideradas doenças mentais e responsabilidade exclusiva dos especialistas dessa área. Os pastores e outros líderes da igreja passaram a ser considerados inaptos para lidar com essas situações e mesmo impedidos de o fazer. Com o tempo, a própria igreja passou a acreditar nisso e a enviar para os especialistas os seus membros que se encontravam em dificuldades.


Quando pensamos em doenças mentais, é importante percebermos como o diagnóstico é feito. Numa doença orgânica este é feito através de exames que mostram que algo não está bem (como análises, raios x , etc). Nas chamadas doenças mentais, o diagnóstico é baseado em sintomas ou comportamentos.


Na década de 50, Jay Adams, teólogo americano, levantou a questão da suficiência bíblica para lidar com os problemas do coração humano. Em vez de mandar os membros da sua igreja para psiquiatras, começou a procurar usar os ensinamentos bíblicos de forma a poder ajudá-los. Esta atitude levantou uma grande oposição da parte dos especialistas das doenças mentais.


Hoje, o aconselhamento bíblico é praticado por imensas pessoas e ensinado em muitas universidades. Há, no entanto, diferentes abordagens. A linha de aconselhamento que foi iniciada por Jay Adams é bastante conservadora e lida com os problemas que a Bíblia refere mais ou menos directamente, não aceitando influências da psicologia. Embora tenha tido um papel importantíssimo ao longo das últimas décadas, acaba por ter lacunas, pois muitos problemas de hoje não vêm registados nas Escrituras. Há outras correntes de aconselhamento mais liberais que, embora sejam completamente baseadas na Bíblia, reconhecem a relevância de observações e estudos feitos pela psicologia, e lidam com um leque de problemas muito maior. Há ainda o aconselhamento clínico que não tem qualquer relação com Deus ou com a Sua Palavra.


A maior diferença entre as psicoterapias e o aconselhamento é a forma de agir. Neste, o aconselhado é estimulado e ajudado desde a primeira sessão, a perceber a raiz do seu problema e a começar a fazer algo em relação a isso. Não é uma atitude de introspecção, mas uma atitude activa de começar a mudar as coisas. O número de pessoas com que se trabalha também é diferente: enquanto na psicologia e na psiquiatria se apoia só uma pessoa (só uma das partes envolvidas), no aconselhamento trabalha-se de preferência com todas as pessoas envolvidas no problema (por exemplo em situações de conflitos).


O aconselhamento bíblico lida com todo o tipo de problemas que não sejam orgânicos, desde stress, anorexia, depressão, traumas, hiperactividade e baixa auto-confiança, entre outros. Lida também com muitas situações que, apesar de serem orgânicas, têm uma raiz emocional ou espiritual - como as gastrites e outras doenças consideradas psicossomáticas, por poderem ser provocadas por situações de stress intenso.


O aconselhamento normalmente usa tarefas que o aconselhado vai tendo para fazer desde o primeiro dia. Estas tarefas servem, no início, como um complemento muito importante na recolha de dados e compreensão da situação. Através das tarefas nós podemos descobrir padrões em situações, hábitos, etc. que são fundamentais para resolver problemas como enxaquecas ou ataques de pânico, por exemplo. As tarefas também são usadas no processo de mudança desses padrões. Isto ajuda a perceber que todo este trabalho não é um acontecimento (mudar num dia) mas um percurso que o aconselhado vai fazendo. Aconselhamento não é como um comprimido que se toma, mas sim uma mudança que é preciso fazer, passo a passo.


Isto aponta para uma noção que é muito importante no aconselhamento: o livre arbítrio ou liberdade de escolha. É fácil nós pensarmos que uma situação “é mesmo assim”, que não podemos fazer nada ou que só podemos agir daquela maneira. No aconselhamento somos ajudados a olhar para um problema através de outras perspectivas e a perceber que podemos “escolher” agir de outra forma.

Por exemplo, eu tenho um problema na coluna vertebral que me afecta principalmente a zona cervical e é causa de grande sofrimento. Uma das características do aconselhamento é procurar ir sempre mais fundo e perceber as causas que estão escondidas. Assim, eu apercebi-me de que o meu problema de cervical não era provocado por esforços que eu fizesse (como durante muitos anos pensei) mas por situações de stress ou preocupação intensos. Então eu posso realmente escolher a forma de lidar com essa situação. Posso ir a um quiroprático que me “arruma” os ossos no sítio certo ou tomar um anti-inflamatório que, em poucas horas, elimina os sintomas. No entanto, nenhuma destas escolhas vai resolver o problema. Para o resolver, eu preciso de lidar com a sua raiz, a sua causa. Assim, eu posso escolher: limitar-me a tirar o sintoma de cada vez que ele aparece, ou resolver o problema em profundidade.


Se pensarmos noutro tipo de problemas como, por exemplo, a depressão, encontramos a mesma realidade de escolha: ficar a tomar anti-depressivos, em muitos casos para o resto da vida, ou procurar e resolver a causa da depressão. O conselheiro não receita nem retira qualquer medicação. Quando nos surge uma pessoa que já traz um diagnóstico de psiquiatria e já está medicada, o processo de aconselhamento desenrola-se independentemente dessa medicação. E quando o aconselhado diz que se sente muito melhor e acha que já não precisa dos medicamentos, o conselheiro envia-o para o médico responsável, o qual decidirá quando e como os retirar.

Uma noção fundamental do aconselhamento é a autonomia do aconselhado. Este nunca é, de forma nenhuma, incentivado a tornar-se dependente do conselheiro (como pode ocorrer em algumas correntes da psiquiatria). Ao longo do processo de aconselhamento, o aconselhado aprende a procurar a causa escondida de um problema e a planear e dar os passos necessários para a sua resolução. E todo este processo não precisa nem deve ser muito prolongado. Pode-se ver uma grande transformação logo nas primeiras semanas de aconselhamento, que normalmente ocorre uma vez por semana.


Quando o aconselhamento termina, o aconselhado tem não só a capacidade de lidar de forma mais eficaz com os novos problemas que forem surgindo na sua vida, como desenvolve também uma atitude diferente em relação aos problemas dos outros. Em vez de se limitar a ouvir intermináveis monólogos de queixumes, passa a ter uma atitude mais activa de procurar perceber a causa do problema e o que a pessoa já fez ou pode fazer em relação a essa situação.


Algo importante a ter em conta (e de que já se devem ter apercebido por esta altura) é que o aconselhamento não pode ajudar toda a gente. Nós só podemos ajudar as pessoas que estão dispostas a trabalhar nesse sentido. Muitas pessoas só querem ter alguém que as oiça e não propriamente resolver o problema. A essas pessoas não é possível ajudar.


E nas situações em que a pessoa que está disposta a fazer algo não é aquele que tem o problema mais grave? Muitas vezes a pessoa nega o seu problema e recusa-se a aceitar qualquer tipo de ajuda. Nestes casos pode-se começar a fazer aconselhamento com outro(s) membro(s) da família. E à medida que a vida dessa pessoa vai mudando, normalmente também se conseguem mudanças na sua situação e nos que estão relacionados com ela (por vezes mudanças radicais).


Aconselhamento não é, como o nome pode sugerir, dar conselhos, mas sim orientar o aconselhado na resolução dos seus problemas e acompanhá-lo durante esse processo. Não é um relacionamento tipo médico – paciente ou professor – aluna. É mais um “caminhar ao lado”, orientando e encorajando, até o aconselhado conseguir seguir o seu caminho por si só.

in, revista Lar Cristão, Jan 2009

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