A depressão tem sido associada a fraqueza de personalidade, a tendências negativas de determinados temperamentos e mesmo, no meio cristão, a falta de fé. Será que é errado uma pessoa estar deprimida? Será que a depressão é um sinal de fraqueza emocional ou mesmo espiritual? Para falarmos de uma perspectiva cristã é importante, antes de julgarmos quem está a passar por esta situação, vermos qual a posição da Bíblia acerca desse problema. Muito do que se diz acerca do ponto de vista de Deus, na verdade, tem pouco ou mesmo nada a ver com o que Ele diz acerca de Si próprio.
Ao longo de toda a Bíblia nós podemos ver servos de Deus passarem por fortes emoções, e até mesmo por depressões, e isso nunca é retratado como algo de errado. Em Salmos, por exemplo, podemos encontrar das mais fortes expressões de sofrimento emocional. Em algumas situações, o sofrimento psíquico do salmista é tão intenso que chega mesmo a manifestar-se através de sofrimento físico. No entanto, há um pequeno detalhe muito importante no percurso emocional do salmista. Mesmo nos Salmos que expressam maior sofrimento, em que ele derrama completamente a dor do seu coração, no final ele volta-se para Deus; para Aquele Deus que o toma pela mão e o capacita a caminhar, apesar do sofrimento.
A depressão tem algumas manifestações típicas, como profunda tristeza, desinteresse, sensação de vazio interior, falta de apetite, perturbações de sono, cansaço, auto-piedade, falta de motivação, incapacidade de tomar decisões, muitas vezes com a presença de ansiedade ou irritabilidade, entre outros sintomas. Muitos destes sinais são experimentados por qualquer um de nós, uma vez ou outra. Mas quando vários destes sinais persistem de modo a dificultar o normal funcionamento da pessoa, ela deve fazer um exame médico. Há várias doenças orgânicas que têm um efeito depressivo e é importante que haja um diagnóstico cuidadoso. Quando é depressão, normalmente opta-se por fazer medicação. Mas esta não deve ser o único modo de combate, porque não vai resolver o problema, apenas tirar os sintomas. Se parar a medicação, os sintomas voltam e, por isso, muitas pessoas acabam por ficar a tomar anti-depressivos para o resto da sua vida.
Para lidarmos com a depressão, precisamos de perceber a sua dinâmica, a forma como se desenvolve e manifesta. A depressão funciona um pouco como uma espiral descendente, em que a pessoa vai perdendo o controlo sobre os seus pensamentos, que se tornam cada vez mais autónomos. E à medida que os pensamentos parecem controlar a mente da pessoa, também a sua atitude vai ficando cada vez mais passiva. A pessoa deixa de funcionar, deixa de “fazer”, limitando-se a simplesmente ficar naquele vazio.
Frequentemente a pessoa deprimida desenvolve o “falar para si própria” (self talk). Ela analisa uma situação e faz um julgamento que, para ela, passa a ser “realidade”. Ao longo do tempo isto desenvolve e acumula padrões de pensamento negativos que se tornam uma barreira à comunicação. Mesmo quando lhe dizemos algo positivo, como um elogio, por exemplo, ela diz “Pois, mas…”, não permitindo que a sua visão negativa seja alterada.
Precisamos de ter a consciência de que a depressão é uma guerra emocional e espiritual. Uma das armas dessa guerra são as mentiras em que a pessoa pouco a pouco começa a acreditar. Mentiras acerca de si própria: “Não tenho valor.” “Não tenho razão para viver.” “Alguns erros que cometi são demasiado graves para serem perdoados.” Mentiras acerca de Deus: “Deus não existe.” “Deus não se importa comigo.” “Deus não ajuda.” Mentiras que focam em realidades temporais, no aqui e agora: “Não posso ser feliz se não tiver agora o que preciso.”
A depressão é cheia de paradoxos. A pessoa pode desejar os outros, desejar o seu amor, mas empenha-se em os afastar. Estar sozinho pode-se tornar aterrador e o abandono ser um medo constante. Não há certezas de nada. A pessoa deseja algo e, ao mesmo tempo, teme conseguir isso. (E se esse desejo for satisfeito e a dor e o desespero continuarem?)
Uma característica que está quase sempre presente é a falta de alvos ou objectivos. Isto acaba por levar a uma incapacidade de tomar decisões.
Um dos aspectos mais óbvios na depressão, é o medo. Um dos seus aspectos mais comuns é a ira. A ira tanto pode ser quente (explosiva), como fria (ressentimento, rejeição, culpar os outros, etc.). A ira fria leva muitas vezes à depressão. No entanto, ela esconde-se e pode ser muito difícil de detectar. A tristeza e a auto-piedade, por exemplo, podem ser formas de encobrir a ira.
Como foca muito nos erros do passado, a depressão também pode ser uma forma de auto-punição inconsciente. A pessoa pode achar que, por causa de algo terrível que fez, perdeu para sempre o direito de ser feliz. A pessoa também pode, inconscientemente, não querer mudar. No fundo a depressão tem algumas vantagens aparentes. Pode ser “confortável” porque a pessoa já a conhece. Não há nada de novo. Não apresenta riscos. Elimina a necessidade de fazer escolhas. Por outro lado, o deprimido também pode ter um grande poder na forma como domina relacionamentos, tornando-se o centro das atenções e o foco das preocupações dos outros.
Para o deprimido, a escolha, a tomada de decisões, é sempre um risco a evitar a qualquer custo. Mas não fazer nada já é uma escolha. A pessoa está a optar por não reagir. Viver significa escolher, e escolher significa correr o risco de cometer erros e aceitar o risco de ser culpado desses erros. Também a falta de esperança é uma escolha. Ter esperança é arriscado. Uma pessoa que não tem expectativas, também não pode ser decepcionada. Mas quando se tenta matar a esperança, mata-se tanto as esperanças do futuro como as alegrias do presente. A capacidade de experimentar emoção é reduzida a um estado de morbidez. A pessoa pensa que está a proteger-se mas, em vez disso, está a tornar-se um morto vivo.
Quando uma pessoa está deprimida, raramente desafia ou põe em questão os seus pensamentos. A depressão diz: “Rende-te. Desiste.” A pessoa deprimida precisa de aprender a falar à depressão, a lutar contra ela, em vez de simplesmente ouvir o que ela diz. Precisa de aprender e praticar, a ver as coisas por uma nova perspectiva. E aprender a, passo a passo, ir expulsando as mentiras que se foram alojando na sua mente. Mesmo no meio do maior sofrimento, tens uma escolha a fazer: ficares no teu canto a lamber as tuas feridas, ou começares a agir. Para iniciar este percurso é preciso esperança. Esta tem que ser a companheira constante da perseverança. Perseverar é uma capacidade que se treina e desenvolve, e que só é relevante nas dificuldades.
Podemos considerar que estas noções sejam a essência do trabalho com uma pessoa deprimida. Mas o trabalho que se faz tem que ser muito prático. Um deprimido precisa de estrutura. Na sua mente tudo se tornou como que num imenso pântano, onde tudo é vago e lodoso; onde as únicas certezas são as falsas “realidades” negativas e destrutivas que ele foi deixando alojar na sua mente. Um deprimido precisa de deixar de simplesmente “estar”, para começar a “fazer” e a ter limites, linhas de orientação, planos organizados. Para isto ele precisa de orientação e apoio. É preciso começar devagar e ir dando pequenos passos, em que a pessoa possa começar a ver uma diferença na sua vida. No aconselhamento é esta diferença, que se pode observar desde o início, que vai trazer esperança e alimentar a capacidade de perseverar.
O objectivo no trabalho com a depressão, é ajudar a pessoa a perceber e quebrar a espiral descendente em que se encontra; ajudá-la a abandonar os padrões negativos de pensamento e comportamento e a substitui-los por escolhas conscientes e positivas.
in Lar Cristão, Julho 2009
14 dezembro 2009
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