Frequentemente, na raiz de problemas como
depressão, stress, insónias, baixa auto-imagem ou mesmo problemas
psicossomáticos, encontram-se situações de ressentimento, de conflitos não
resolvidos. A tendência natural das pessoas não é para resolver os conflitos
que surgem. Isso faz com que esses assuntos vão ficando recalcados e se vão
amontoando no nosso íntimo, ao longo dos anos. E esses “arquivos” que guardamos
afectam as nossas vidas de uma forma incrível.
A raiz de amargura, ou ressentimento, que fica
guardado no mais profundo do coração, destrói a própria pessoa que o guarda e,
além disso, contamina também os outros. A nossa mágoa não só nos vai corroendo
e escravizando, como também vai afectar as pessoas que convivem connosco. Através
da nossa atitude, dos nossos comentários, do nosso “desabafo” acabamos por
colocar esse peso também sobre os outros. Assim, cada um de nós, carrega não só
as ofensas que recebeu, mas também aquelas que foram feitas contra os seus
familiares e amigos.
Na prática, o que acontece enquanto uma pessoa não
resolve esses assuntos, é que fica acorrentada a essa situação, por vezes
totalmente escravizada por ela. Deixa de ter controlo sobre os seus próprios
pensamentos que se vão tornando completamente autónomos, levando-a por uma
viagem mental atormentadora e quase constante em volta desse assunto. Torna-se
de certa forma escrava da pessoa que a ofendeu. Perde a alegria e esse
sofrimento torna-se quase (ou mesmo) o centro da sua vida. E a dor é tanto mais
intensa quanto mais nós amamos a(s) pessoa(s) com quem temos o relacionamento
quebrado ou seriamente prejudicado.
Se queres perceber a forma como o ressentimento te
está a afectar, tenta observar quanto “tempo de antena”dedicas a ofensas que
recebeste (pensando nelas, falando sobre elas, etc.) e a facilidade que tens
(ou não) de mandar embora esse assunto sempre que ele entra no teu pensamento.
Com que intensidade é que essas lembranças te estão a controlar?
Numa situação em que somos prejudicados ou
ofendidos, nós precisamos de fazer alguma coisa, de lidar com esse assunto. Em
primeiro lugar, precisamos de perceber se se justifica “mexer” nisso ou não.
Muitas vezes aquilo que nos magoou não é uma coisa assim tão grave. Nem sempre
a nossa dor é proporcional à gravidade da ofensa. Em muitas situações, a pessoa
que nos magoou não tinha intenção de o fazer e pode até nem se ter apercebido
de como isso nos afectou. Na maioria das situações, na realidade, nem devemos
comentar isso com ela. No entanto, é importante não ficarmos a lembrar, a
pensar no assunto. Precisamos de “arrumar” a ofensa e seguir em frente, mesmo
não sendo um processo fácil.
Mas nem sempre é este o caso. Então, como decidir
quando devemos ou não falar com a outra pessoa? Se a ofensa nos prejudicou seriamente,
se está a prejudicar a nossa relação com essa pessoa, se é um hábito destrutivo
que ela está a desenvolver, é importante falarmos-lhe. Isso normalmente não é
fácil e, se não for feito com cuidado e sabedoria, pode até aumentar o
conflito. Deve-se pensar, antecipadamente, nos aspectos que é importante focar
(não se dispersar com detalhes irrelevantes ou de menor importância) e falar
deles com cuidado. É importante deixar claro que o objectivo não é acusar ou
castigar o ofensor, mas restaurar o relacionamento que está quebrado. Assim que
o assunto tiver sido falado e resolvido entre ambas as partes, o relacionamento
deve ser completamente restaurado. Aqui, um aspecto importante é haver um
compromisso de não voltar a mexer nesse assunto e de não permitir que esse
conflito que já foi resolvido ainda venha de alguma forma a prejudicar o
relacionamento. É um compromisso de não voltar a falar nem a pensar nessa
ofensa.
E quando essa lembrança surge e se intromete
persistentemente no nosso pensamento? Bem, não adianta empurrá-la ou mandá-la
embora. Isso só a iria tornar cada vez mais forte. A única coisa que podes
fazer é, de cada vez que ela surge, substituí-la por outra coisa que seja
positiva. E da próxima vez que essa pessoa voltar a fazer algo errado,
lembra-te do compromisso que assumiste: as ofensas antigas e já resolvidas não
devem ser lembradas ou “atiradas à cara”.
Quando um conflito se resolve, a pessoa que foi
magoada deixa de ser escrava dessa situação. Com treino e perseverança, o seu
pensamento começa, pouco a pouco, a ser mais controlado por ela própria e pode
voltar a sentir-se em paz.
À primeira vista tudo isto te pode parecer simples
teoria, impossível de pôr em prática ou ineficaz perante a gravidade dos
problemas que estás a atravessar neste momento. Essa é a visão natural quando o
foco é colocado nO PROBLEMA. Uma abordagem bastante diferente é usada no
aconselhamento clínico. Aqui, o foco não é simplesmente eliminar aquele
problema (atrás do qual se podem esconder muitos outros), mas ajudar o
aconselhado a começar um percurso diferente do que tem estado a fazer. A pessoa
aprende a lidar com cada situação, passo a passo. Vai perdendo o medo de sair
da sua atitude passiva ou agressiva, e muitas vezes destrutiva. Cria o hábito
de reagir de forma activa e eficaz. E aprende, na prática, a identificar a
origem dos problemas e a resolvê-los.
É uma forma de aprendermos a usar todas as nossas
capacidades e recursos e de começarmos a agir para que a nossa vida se venha a
tornar bem mais do que simplesmente suportável.